Beija flor visceral

29 12 2011

Beija Flores- Luiza Maciel Nogueira

Não era pra eu ser o canalha, e não era pra você ser a vítima uníssona e solitária em uma alma encalacrada sobre suas experiências mal sucedidas. Não era pra você se apoiar em seu casamento-desamor e choramingar a minha suposta ausência. Nunca fui presença inteira, você não percebeu? Tsc tsc, não era para ser assim, não era!!

Era só para eu ser um fôlego, um vão, um doce verão, um beija flor. Era sobretudo pra você ser feliz. E era pra eu poder esquecer, era pra você respirar, pra você continuar vivendo o que você diz ser amor. Mas você fez tudo errado. Era para ser uma brincadeira gostosa, vulgarmente maliciosa, mas você foi meter um sentimento desgraçado entre mim, um e outro Marlboro, duas cervejas e um sexo meia boca. É uma bosta dizer o que te digo, mas devo aceitar que em partes fui eu o cafajeste que permitiu que fosse ser o que não era.

Desculpe, mas eu suplico, não devolva o desaforo. Não devolva porquê eu tô cansado demais até para me defender. Pra me expor, para te expor ou para fazer qualquer coisa. Mas confesse à você mesmo que no fundo você sabia que deveria ser assim. Não sabia? Coisas boas duram pouco, coisas mornas não dão liga. E só foi morno pra mim porquê meu coração não estava pré-disposto, e não houve safadeza o suficiente que me convencesse de que valia a pena. Pode não parecer mas acredite, foi mais amorzinho enfadonho do que qualquer outra coisa. E entenda,  eu já tenho alguém para dedicar esta parte pachorrenta e desinteressante de mim, e o que eu procurava era o que você aparentemente oferecia, era pra ser apenas um souvenir.

É difícil olhar no fundo dos olhos de alguém e dizer tudo isso que eu te disse, e ao mesmo tempo é tão fácil baby. Tem que ter coragem, eu admito, ou nem tanto assim. Na verdade é preciso ter curiosidade para viver o que vivemos assim sem pretensão, e como Deus me fez indagador de tudo, bobeou eu to provando. E você tava lá com a proposta indecente, e já que eu não valho nada, aceitei. Não eu não quero e nem pretendo o céu, no final de tudo eu já sei que vou sambar no inferno. Por isso eu suplico, me odeie. E estas palavras que eu te digo num quase domingo, num quase ano novo, é um prato cheio para que isso aconteça.

Você não entenderá e acho que nunca vai entender que sou uma presa fácil num momento difícil.Veja bem, senta aí e me ouve, eu- não- te – prometi- nada. Por isso, toma um copo d´água mas não se embriague com a ilusão do que eu pareço ser mas não sou. Olhe sem encantamento e você vai enxergar que eu não sou romântico, eu não sou sensível, eu não sou gostoso, eu não sou macio, eu não sou teimoso com aquilo que não quero. Eu nem mesmo sei trepar direito – falta de prática, falta de tática- eu não sei ser direto quando o negócio pra mim é só sexo. Desculpe este tardio “sinto muito do meu jeito”, este meu apelo, mas o fato é que não sei ser didático para algumas coisas. Por isso entenda sem sofrimento, e de uma vez por todas, eu não sou o que não era, eu não serei o que não sou. Diga a verdade para você mesmo,  você sabia que derradeiramente eu trairia o seu ideal.

E terminou porquê era pra ser passageiro. Por que se emoldurou num dia de chuva fina, numa banheira quente que se tornou balde de água fria. Porque houve a troca de um bagulho que nem você soube direito explicar. Então não chore, engula. Nós-não-temos-este-direito. Eu não te concedo a permissão de chorar sobre o meu corpo cansado. Chore por você, pela sua vida, pelas suas escolhas, seu mundo ou seu desamor (se é que é desamor). Mas não chore por mim . Eu não mereço esse mar, eu não mereço nem a mais fina melancolia de um beija-flor especial e sensível como você. E pense bem, olhe pra mim e olhe pra você (mas olhe com realidade, com razão, com circunstância) que enxergará além dos óculos cor de rosa que o meu jeito descolado quis te apresentar. E admita o que eu deixei claro: eu amo outro, eu sou de outro, a todo momento fui um tolo, mas não fui desleal com você. Só não me exponha pois por agora eu não poderia suportar o rojão, me falta culhão e ta aí mais uma das minhas cafajestadas. Tudo isso, porque foi o que não era pra ser, e de repente até deveria ter sido o que não era, e não foi.


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7 responses

18 01 2012
Thais Cinotti

Sen-sa-cio-nal! Não tem outra palavra que defina! Uma visão realista, simples, sem machismos nem nhenhenhêns, INCRIVEL, SENSACIONAL.

27 01 2012
Luiza Maciel Nogueira

ei quem é você e como vc conhece meus desenhos?
obrigada por postá-lo aqui, junto com a devida autoria.

beijos
Luiza

28 01 2012
marcosvieiras

Oi Luiza. Eu sou o Marcos, um publicitário e blogueiro. Achei seu desenho através do google procurando com a tag “beija flor e arte”.
Como ele compunha na minha visão este texto, resolvi associá-lo, mas se quiser posso tirar, no entanto estão com os devidos créditos (acho justo que seja assim).
Desde já parabéns pelo trabalho.
Obrigado! Beijos. Marcos

29 01 2012
Luiza Maciel Nogueira

não, fique a vontade para publicar os desenhos que quiser, desde que éclaro mencione a autoria e da próxima vez solicito também que me avise em um e-mail (tainha21@hotmail.com) para eu apreciar o post.

beijos
Luiza

2 02 2012
Luiza Maciel Nogueira

Oi Marcos, não é da minha conta nem nada, mas fui meio mau educada de não comentar. O teu texto/conto me levou a pensar o quanto é difícil deixar o outro nos amar, porque as vezes o outro quer apenas acreditar que somos mais do que somos – e aceitar que talvez, apenas talvez isso é possível, sabe? É possível que as pessoas nos amem pelo que somos – talvez na cabeça delas – mas não sei. Seu personagem na primeira pessoa me fez pensar nisso, nessa dificuldade de acreditar/deixar e nesse medo de corresponder as expectativas do outro. Na verdade, o medo também de se entregar e acreditar em si. Porque dentro da idealização dos outros talvez resida a essência do encontro, de nós.

Beijos

8 02 2012
marcosvieiras

Luiza, é da sua conta sim (risos). Pode e deve comentar a vontade. Inclusive adorei o que escreveu, demorei para responder porque fiquei dias pensando, pensando e pensando. A projeção do outro sobre nós mesmos assusta. Mas quem diz que não fazemos projeções para os outros.também? Amar, apaixonar-se é mesmo um sentimento complicado, é preciso estar pré disposto, aberto, liberto para que o outro faça projeções das mais calorosas as mais frias sobre você mesmo. No entanto o que vale a pena é mesmo o que você disse: acreditar em si. Re-acreditar, se re-encontrar, se ouvir, se re-dizer e se sentir capaz de continuar mesmo que uma desilusão seja a mais palpável no momento. Afinal as nossas projeções e as que os outros colocam sobre nós são extremamente importantes para se continuar vivendo, amando, e se sentindo humano no sentido mais básico e primo da matéria.
Meio louco eu, né? rs… Não esquenta, alma de artista, creio que você compreenda bem, sendo uma artista tão expressiva em seus desenhos.
Um beijo. Volte sempre!!

8 02 2012
Luiza Maciel Nogueira

bom, projeção tem um sentido totalmente psicanálise né? e eu acredito no encontro seja ele na imaginação ou na realidade, no que ele provoca no outro e em nós e eu em minha humilde opinião considero que essa provocação é real, real demais para quem sente…muito mais real que algumas outras realidades por aí. e embora possa parecer fantasioso isso, a gente é o que projeta, enfim. porém acho que não só como também, em algum nível – cada um capta parte do todo – acertamos nas nossas projeções. Digo EM ALGUM NÍVEL de possibilidade, mesmo que não seja neste nível, rsrs. gosto muito de Manuel de Barros por exemplo que acredita piamente nos seus sonhos sem precisar que eles existam em nível real, mas sua imaginação voa pela imaginação e dizer que não é real tudo aquilo que ele escreveu, tudo aquilo que sonhou? enfim, acredito nisso nessa esperança de Manoel de Barros.

“…que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros etc.
Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós.”
Manoel de Barros

http://www.desenhosluizamaciel.blogspot.com

Beijos

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